09 março 2007

Os bons momentos não se esquecem

Do Alto das Fiandeiras
Por: Manuel Luís Costeira

Fez 50 anos no passado dia 9 de Dezembro de 2006, que se efectuou o grandioso cortejo de oferendas, em favor do Hospital da Misericórdia da então Vila de Mangualde.

Os ecos deste grande acontecimento de solidariedade demoraram a apagar-se na memória da gente do nosso concelho. Alguns Abrunhosenses, felizmente ainda no nosso seio e que viveram tão grande realização, recordam com saudade as inúmeras imagens que jamais se apagarão nas suas memórias.

Na verde mocidade dos 13 anos fui um dos camponeses do bonito rancho que, de saco às costas os rapazes e de cesto no braço as raparigas, levamos ali as nossas oferendas, carros de bois enfeitados e carregados com os mais diversos donativo, foram conduzidos por esbeltas, bonitas e elegantes raparigas desse tempo que como dizia o provérbio; “Que lindo ranchinho de moças ou que bela mocidade, criadinhas numa aldeia parecem de uma cidade”.

Todos os carros iam bonitos, mas o que mais prendeu a atenção da numerosa assistência foi o moinho com o moleiro, logo seguido da bem albardada mula, com a jovem moleira a cavalo, ladeada por dois pequenos taleigos de farinha.

Meu Deus, que frio e que geada nesse dia de Inverno de Há meio século!!!
Também não se pode esquecer a fome que passaram os figurantes. Valeu-nos aparecer o Sr. Pina, que era de Vila Nova de Espinho e nesse tempo vendia tremoços. Dos dois cestos de alqueire num ápice desapareceu o seu conteúdo e assim seguimos alar o estômago. Junto à antiga casa do Conceição, que havia no centro da Vila, estivemos parados muito tempo, o nosso e outros ranchos a tinir de frio e a barriga a dar horas, as forças poucas e a vontade ainda menos para cantar.
Para sempre perdurará a grandiosidade deste cortejo de oferendas e onde a nossa terra foi condignamente representada. O tom garrido e o colorido multicor mais faziam sobressair os dotes femininos das beldades – moças da nossa aldeia.
Recordo a saudável azafama da nossa gente para que tudo corresse pelo melhor. Houve pelo menos dois incidentes que marcaram o percurso do cortejo. Na passagem pela sede da freguesia quiseram incorporar um carro de pinheiros e enfeitado com carolo de milho. Na recusa, os ânimos exaltaram-se, mas o bairrismo e a boa vontade das pessoas veio ao decima e tudo foi sanado a contento de todos, prevalecendo a vontade da aldeia mais a sul do concelho.
Na descida junto à casa dos Condes da Anadia, devido ao grande gelo, criou a Polícia de Viação e Trânsito um problema por um animal ter caído e o cortejo ter de parar.Homens, com letra grande, desse tempo, mostraram às autoridades de então, não ser hora, dia e lugar para imposições. Com aparente calma, tudo se resolveu a contento de todos.
O ensaio dos músicos e o acerto dos 40 pares foi feito na antiga escola.Além dos 5.020$00 em dinheiro, Abrunhosa ofereceu ao Hospital três carros de troncos de pinheiro e três de géneros alimentícios. Nessa altura dizia-se: “foi a Abrunhosinha, a povoação que mais contribuiu para o Hospital”. Nesse dia 9 de Dezembro de 1956 os componentes do nosso rancho não temeram os olhares das muitas centenas de pessoas que nos apreciavam à passagem, o cantar harmonioso e o aspecto impecável mereceu entusiásticos aplausos.
Lembro-me de ver as casas da Vila de janelas engalanadas e na passagem do nosso rancho, carros e moinho, as pessoas gritavam vivas à Abrunhosa, saudando assim a garbosa embaixada da nossa aldeia.
Passado meio século, mais admiro o que era o bairrismo da gente desta laboriosa terra, pois aproveitavam a oportunidade deste e de doutros eventos para melhorar as boas relações de simpatia e amizade que sempre se verificaram entre a Abrunhosa e Mangualde.

Do meu alto das fiandeiras, cinquenta anos depois, envio aos ainda vivos uma saudação especial de amizade. Aos que já partiram curvo-me respeitosamente perante a sua memória. E deixem-me dizer: Em tão pouco tempo era impossível fazer melhor.

A marcha que levámos ao cortejo tinha a música muito bonita e fácil de cantar, tinha a seguinte letra feita pelos poetas anónimos do nosso povo:
Quero ser bom, hei-de ser
Hei-de fazer todo o bem
Se for preciso fazer
Mesmo sem olhar a quem

Espalhar liberalmente
O bem fazer caridade
É o dever de toda a gente
Na semana da bondade

Fazer o bem afinal
Que deve ser todos os dias
Façam todos por igual
Sem olhar à simpatia

Portugal em todo o mundo
É o primeiro entre as nações
Ele belo e fecundo
Vive nos nossos corações